Dias Bordados
Nossa casinha ancestral era feita de adobe. A luz do dia, ou sob a luz de lamparinas e lampiões, as mulheres que vieram antes de nós fiavam e teciam as toalhas para enxugar os pés dos meninos e o corpo suado de seus homens.
Na Páscoa, as guarnições traziam os pontos e as cores da Ressurreição. O almoço era melhorado e a sobremesa era o melado da comunhão entre todos.
As lanternas chinesas dos bordados de mamãe clareavam a vida da gente nas tardes do “tempo comum”, quando o ponto de cruz era marcado num outro rito de passagem, fazendo florescer o matiz, o rococó, entremeios, sianinhas, pontos cheios de suspiro.
Os dias eram bordados sem bastidor, e as tranças das meninas bordadas no pano levavam a cor do mel.
Mesa posta sempre. Os pratos e bules esmaltados sobre a mesa. A janta era servida no fogão de lenha: arroz empapadinho e carne cozida. Cheiro de café torrado na hora, adoçado com rapadura. Os biscoitos de peta, lamparina, fofão, quebra-quebra, bolo inglês, guardados em latas, servidos a quem chegasse depois das missas de domingo.
Aos sábados, antes do ofício, a roupa era engomada e o suco de groselha distribuído entre os meninos.
De segunda a sexta eram bordados paninhos, guarnições e toalhas de mesa. O encontro de mulheres aprendizes de bordado na varanda verde e terracota. A agulha entrando e saindo no pano num sem tempo. Ao bordar com outras mulheres vem a fome de a ninguém nada faltar. Vem a sede de partilhar o pão e o propósito, de comungar a justiça, o trabalho e a beleza docemente.
Ângela Dumont
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