História da Família - Email

Nossa aventura começou há tempos atrás, lá para as bandas das Gerais de Minas. Como outras tantas mulheres, desde a chegada da Coroa ao Brasil, nós também tivemos nosso encontro com o bordado bem cedo em nossas vidas sabe? Isso Fazia parte da nossa educação e dos nossos valores como meninas jovens e mulheres brasileiras.

Vivemos nossa bordação desde crianças, e ao longo do tempo ele nos mobilizou, transformou, nos fez tão bem. Descobrimos como podemos ser livres ao bordar, trazer novas possibilidades de criação, como ele pode ser arte e desenvolvimento pessoal.

Mamãe nos iniciou por meio dos primeiros panos de amostra do seu bordado clássico, seguindo os mesmos ritos e preceitos. Desde cedo aprendemos a construir nossas primeiras formas com agulha e linha brincando e observando a mãe com seu bordado clássico. Eram peças em leves e translúcidas cambraias camisolas, blusas e combinações para ir pro internato, para a menininha que faz aniversário, para o batizado. Os motivos eram inspirados nas revistas de bordar da Europa que chegavam a nós com a Maria Fumaça pela linha do trem. Eram flores, moinhos e crianças holandesas, tulipas, brasões, damas e príncipes de uma terra do outro lado do mar. Isso encantava nossos olhos.

Detalhes do Pano de Amostras de Antônia Zulma Diniz Dumont

Floração - Coleção Florais

Papai era contador de causos, suas histórias nos traziam povos de outros tempos, terras distantes, o sobrenatural. A nossa imaginação fervilhava. Assim fizemos as primeiras leituras, ouvindo curiosos os causos contados por papai e observando atentos os barrados dos vestidos e as histórias bordadas por mamãe, dias e noites adentro. No meio dessa mistura nos tornamos também contadoras de causos o que facilitou mais tarde unirmos as linhas e letras do bordado como disse um dia nossa amiga Nilma Lacerda.

Nossos sonhos de criar e fazer arte com liberdade brotaram logo cedo como o dia. Adorávamos bordar, mas ao mesmo tempo sentíamos que aquilo não nos completava. O aprendizado clássico nos deu um delicado e contido bordado com pouca emoção, além de muitas normas a seguir em pontos sem variação: a vida deveria ser perfeita e sem erros como o avesso e o pano de amostras a copiar sem discussão. Não havia liberdade para se expressar nem se aventurar.

Pouco a pouco fomos descobrimos que o bordar poderia ir além do universo dos enxovais das noivas e meninos que chegavam e de sair das convenções do bordado clássico. Começamos a buscar outros motivos que não só as das simetrias perfeitas dos florais. Nossos bordados versavam sobre aquilo que víamos e sentíamos. Por que não? Crescemos em Pirapora, somos parte do imaginário da região. Carregamos a emoção e os elementos do cotidiano: as fachadas das casas, as platibandas, a mistura ousada de cores, o bichinho feito de buriti. As formas de sereia, as carrancas, o galho torto da árvore de cerrado, o som das águas e o medo do rio.

E assim, meio que de repente a perfeição não se tornou mais necessária e isso deu espaço para criar e inovar com movimento, textura, volume, novas combinações de fios, cores e traços.

A liberdade de “bordar em cima do inesperado” nos possibilitou desenvolver o que nós chamamos de bordado espontâneo. Espontâneo por que? Porque não está preso ao risco. A pessoa pode se ariscar sem o risco. Fugir às regras: misturar linhas de seda com as de algodão, criar novas formas se modelos a seguir. Lembro que criamos as nossas primeiras peças para enfeitar os quartos dos nossos filhos, misturando antigas técnicas mas brincando com os tecidos para as aplicações com ponto Paris, caseado, matiz.

E assim continuamos bordando as águas, o rio São Francisco, a formas do cerrado e nossas almas de criança.

Tantos rumos e a gente sabia que algo novo estava acontecendo em nossas mãos. O que fazer com aquela profusão de pontos panos e ideias que vertiam da gente como águas?

Naquele ponto estava claro que as lanternas chinesas que mamãe bordava poderiam iluminar novos caminhos.

Um marco importante no início da nossa carreira artística foi a publicação do livro “A Rebelião das Raposas” de Sávia. Sabe aquelas histórias que eram bordadas no barrado dos vestidos das meninas? Então pensamos: porque não usar o bordado como elemento de ilustração para contar histórias nos livros? Foi daí que surgiu o “A Rebelião das Raposas”, o primeiro livro que se tem notícia cuja ilustração foi feita com imagens de bordados. No qual obcordado também é um texto e conta a história.

Editora Dimensão 2006

Acho que o “A Rebelião das Raposas” foi um ponto de virada pra nós porque ele comprovou que arte do bordado podia ser muito mais. Quer dizer que o aquilo que sempre vimos mamãe fazendo, aquele trabalho que aprendemos a fazer desde sempre, podiam virar quadros?

Podia virar livros? E o que mais? De repente inúmeras possibilidades se abriram a nossa frente! Coisas que até então nunca tínhamos imaginado. Foi uma inspiração que movimentou nossas vidas como uma cachoeira.

Agora você conhece um pouco mais do nosso grupo, nossa história e a forma como a arte por meio do bordado transformou as nossas vidas de forma permanente. E continua transformando!

Espero que você tenha gostado de partilhar conosco essa jornada e que ela possa de alguma forma inspirar você a construir a sua por meio da arte e da criatividade.

Grande abraço.