Mulheres bordam um novo feminismo

Mulheres bordam um novo feminismo

março 10, 2017

Arte feita com agulha e linha deixa passado de submissão e ganha novo significado

Com agulha e linha nas mãos, elas “bordam empoderamento” e desfazem a linha de pensamento tão difundida nas gerações passadas de que o bordado é trabalho de “mulher pronta para casar”. Na semana em que é comemorado o Dia Internacional da Mulher, as bordadeiras da nova geração quebram esse paradigma e mostram que, para bordar, elas não precisam ser mulheres com vários “predicados”. Engajadas, elas são sujeitas de suas próprias história e usam a arte para falar de feminismo, política e cultura pop e discutir questões de gêneros.

Com a inserção da mulher no mercado de trabalho na década de 60, o bordado foi ficando cada vez mais a cargo das gerações mais antigas. As mulheres preferiam sair para trabalhar, porque a costura as restringia a ficar em casa, e isso criou um vácuo na difusão desse trabalho manual. No entanto, recentemente, a arte foi redescoberta pelas novas gerações, e a carga de opressão que havia nas agulhas e nos retroses de linha se subverteu e ganhou novo significado.
“Antes, a mulher tinha que bordar para servir ao marido e aos filhos, geralmente bordavam para fazer seu enxoval. Atualmente, ela (a atividade) se transformou em uma fonte de renda e em uma forma de difundir o feminismo”, considera a estudante Ana Luisa Pagani Mayrink, 21.

Muitas meninas da nova geração de bordadeiras aprenderam a arte com as avós e usam seus desenhos como uma forma de luta. “O bordado empodera as mulheres de várias formas. Por meio dele, nós podemos nos retratar da forma que nos vemos, e não de um ponto de vista masculino. Eu também costumo colocar minha visão política no que bordo. Ele (o bordado) se tornou uma forma de expressão”, explica Samara Horta, 27.

Samara criou um grupo no Facebook chamado “Las Bordadeiras”, que já tem cerca de 4.000 mulheres de todo o Brasil. Ela também realiza oficinas de bordado em Belo Horizonte e incentiva as meninas a colocarem suas questões no que estão bordando. Por meio do grupo, as participantes dividem experiências com arte, técnicas e materiais e aproveitam o espaço para discutir questões relacionadas ao feminismo.

A maioria das meninas conta que começou o trabalho para presentear amigos, porém logo ele se transformou em negócio. “Eu comecei bordando frases de músicas e desenhos ligados a cultura pop e ia postando no meu Facebook. As pessoas foram vendo e gostando e começaram a encomendar. Atualmente, participo de algumas feiras e acho a troca de experiências com outras pessoas que bordam muito interessante”, conta a jornalista Nina Rocha Campos, 24, que assina a marca Bordei pra você.

Mistura. O novo estilo da arte é conhecido como bordado livre, já que há uma mistura de diversos pontos e de técnicas. Os bordados são misturados a crochê, colagens de panos e objetos, como botões ou flores de plástico. Os bastidores – círculos de madeira que antes eram utilizados apenas como apoio – agora são também moldura para quadros bordados, e os desenhos são cada vez mais diferenciados.

A professora paulista de história da arte Luisa Oliveira explica que as mulheres sempre se valeram das expressões artísticas para se empoderarem. “Um ótimo exemplo é a pintora Frida Kahlo, que pintou vários autorretratos. O que as mulheres fazem atualmente é misturar o trabalho manual com a arte, e essa é uma ótima maneira de expressar a forma como elas veem o mundo e de difundir o feminismo”, conclui a especialista.

Oficina ajuda também na geração de renda 

Em meio à BR–040, em Nova Lima, na região metropolitana da capital mineira, está a ocupação Água Limpa. Cercada por matas, as mulheres que lá residem se encarregam de cuidar dos filhos, e, por isso e pela distância, a maioria não trabalha fora. Impossibilitadas de gerar renda, essas mulheres encontraram nas oficinas de bordado da artista plástica Tatiana Sansi, 34, um fio de esperança.
“Eu sugeri que elas criassem uma cooperativa, e estamos fazendo uma vaquinha na internet. A ideia é que elas tenham mais independência. O bordado é uma troca de experiências e vivências, e isso tudo já é uma forma de empoderamento”, considera Tatiana. 

Os resultados surpreendem a artista. “A maioria delas bordou paisagens incríveis da natureza, que é o que elas veem no entorno da ocupação. Mesmo morando em um lugar extremamente precário, elas conseguem enxergar o que tem de melhor no espaço em que vivem”, diz.

Agora, Tatiana pretende reproduzir o perfil de cada participante. “Uma delas tem vitiligo, a outra está acima do peso, uma teve que tirar o útero, quero trabalhar a identidade delas”, conta. Tatiana também organiza uma "vaquinha" para que as mulheres continuem a realizar o bordado e montem uma cooperativa. Para ajudar contribua aqui: (https://www.vakinha.com.br/vaquinha/oficina-de-bordado-para-mulheres-do-agua-limpa)


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